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Na fase inicial da implementação da indústria automobilística no Brasil a revelação antecipada dos novos modelos de automóveis a serem lançados no mercado atraía os leitores de jornais e revistas que acompanhavam com interesse as novidades da indústria. Para nós, jornalistas, era uma excitante atividade.
A indústria automobilística brasileira estava em fase de implementação e possuir um automóvel significava êxito profissional, independência e boa condição financeira. E como brasileiro sempre gostou de carros, as notícias do setor eram muito desejadas pelos leitores para se manterem informados sobre essa nova atividade econômica e social do Brasil.
A produção de veículos transformou-se em atividade de extrema importância do País pela forte abertura de empregos - e empregos de qualidade - e a posse de um automóvel tornou-se sonho nacional. Não havia cidadão que não desejasse possuir um carro.
A indústria automobilística ganhou grande importância e provocou fortes mudanças no comportamento e gosto das pessoas. E, por isso, ganhou o nome de locomotiva da economia brasileira.
A locomotiva começou a puxar a economia por intermédio dos caminhões, responsáveis pelo transporte de mercadorias em geral, mas logo vieram os veículos de passageiros, que começaram com a pequena Romi Isetta, a perua Vemaguete, Jeep, Rural Willys, Fusca e Kombi e, rapidamente, passaram a ser produzidos os automóveis que encantaram o País.
Esses carros substituíram a maior parte dos modelos importados da Europa e, principalmente, dos Estados Unidos.
No final da década de 1960 e início dos anos 70, o automóvel se transformou em atração pelas novidades que apresentavam e os brasileiros foram contagiados pelo desejo de ter seu próprio carro. E a indústria sempre crescendo, inclusive com as primeiras exportações de caminhões e ônibus para países da América do Sul justificando a denominação de locomotiva da economia brasileira.
Com a positiva resposta do consumidor, as empresas diversificaram a sua produção com novos modelos. E essa ampliação da oferta da indústria levou, principalmente a revista Quatro Rodas e o Jornal da Tarde, a um trabalho inédito de pesquisa para descobrir o que a indústria preparava a cada ano para o mercado.
O forte mercado levou muitos proprietários a adotar o costume de substituir anualmente seu carro por um novo modelo porque a diferença de preços não era muito grande e o veículo usado também se transformou em produto muito desejado porque tinha baixa quilometragem e pouco uso e, por isso, ganhou o apelido de cheque ao portador.
O carro virou tema importante também para os jornalistas que formaram um grupo de especialistas do setor. Esse novo grupo embora muito prestigiado pelas fábricas por divulgar o que ela realizava de positivo sobre o setor, era detestado por uma pequena parcela de funcionários da indústria por considerar que as revelações antecipadas dos novos modelos prejudicavam as vendas dos carros existentes. E esse sentimento criou um ambiente de guerra que tornou as reportagens muito empolgantes e até perigosas.
O ambiente ganhou tamanha rivalidade que, em 1973, o fotógrafo Claudio Laranjeira, da revista Quatro Rodas, registrou cenas da Brasília, que seria lançada alguns meses depois, num passeio do presidente da Volkswagen, o alemão Rudolph Leiding pela estrada velha de Santos.
Naturalmente, a empresa tomou a providência de incluir profissionais da área de segurança para proteção ao executivo. Quando notaram a ação do Larangeira, os seguranças tentaram impedir as cenas com tiros de revólver em seu carro, não ferindo ninguém, mas causando uma grande confusão.
Os protagonistas do entrevero foram a uma delegacia de polícia de São Bernardo do Campo para o registro da ocorrência, onde os funcionários da Volkswagen declararam ter informações de que o presidente da Volkswagen estava na lista de terroristas para ser sequestrado. E que, por isso, procuraram protegê-lo.
Além de se tornar notícia policial, Claudio Larangeira, que era fotógrafo freelancer, da revista, ganhou registro como funcionário por determinação de Victor Civita, principal proprietário da Editora Abril quando tiveram um encontro ocasional no elevador da redação, durante um rápido diálogo em que foi elogiado pelo excelente trabalho.
Algum tempo antes a equipe do Jornal da Tarde foi vítima da guerra com as fábricas de automóveis Willys. Numa reportagem para registrar novos modelos, entre as quais estava a limusine Itamaraty Executiva, um pouco mais tarde doada ao Palácio do Planalto, como primeiro carro presidencial da indústria brasileira, para uso do marechal Castello Branco, o fotógrafo Rolando de Freitas foi cercado por funcionários da Willys, que tentavam se apossar do filme que havia operado, incentivados por gritos de seus companheiros para o agredir e quebrar a sua máquina.
Num clima de apreensão e preocupado com a integridade do Rolando, lembrei que outro fotógrafo da equipe mantinha um revólver no porta-luvas de seu carro. Corri até o automóvel, que estava próximo, e voltei com o revólver apontado para o grupo, gritando para soltá-lo. Todos correram, inclusive um guarda da empresa, numa cena tragicômica com seu revólver na cintura, dançando no ritmo de sua correria.
Como vingança, o funcionário agressor usou uma pick-up para colidir com a traseira do carro de reportagem, provocando um grande estrago no automóvel. Entramos no carro para fugir com o filme operado e passamos a ser perseguidos por esses funcionários, mas não fomos alcançados, o que nos deu a ideia de escrever um texto com o título: “Novos Willys perdem a corrida para um velho Mercury”.
Lances excitantes como esses ocorreram em outras reportagens, mas deixaram de existir com as mudanças ocorridas no setor e na sociedade. Com a comunicação eletrônica, a internet e a diminuição da paixão do consumidor pelo automóvel, revelar segredos passou a não atrair os leitores e nem ser pauta para os jornalistas.
Além disso, as fábricas ampliaram a lista de modelos disponíveis no mercado, alguns importados e já lançados pelas matrizes no exterior. E, com a retração de vendas, essas mesmas montadoras passaram a reduzir seus investimentos em publicidade, o que gerou grande impacto nos veículos de comunicação que cobriam e cobrem o setor.
Marcus Vinicius Gasques, diretor de redação da revista AutoEsporte, comentou que a pandemia provocou mudanças no trabalho jornalístico e citou alguns exemplos. Atualmente, é muito grande o número de modelos à disposição dos consumidores, a covid-19 impôs um novo regime home office aos profissionais, o que limita o tempo para pesquisas e contatos e o avanço da internet com a criação de sites, o enfraquecimento da paixão dos jovens pelos carros, livrando-se de encargos com licenciamento, seguro, revisões periódicas, estacionamento e recorrendo à locação, quando necessário.
Paulo Campo Grande, diretor de redação da revista Quatro Rodas, pondera que os jovens continuam a adorar automóveis, que demonstram interesse nos projetos em andamento, nacional ou importado, e que procuram a revista para saber detalhes sobre as características técnicas, os modelos que serão produzidos e quando chegarão ao mercado. Campo Grande reconhece que a tecnologia evoluiu muito e mudaram os processos de desenvolvimento dos veículos atualmente diferentes e muito mais modernos. Também considera que, com a evolução tecnológica o desenvolvimento virtual cresceu muito, via avançados softwares de simulação, o que diminuiu a necessidade dos novos projetos de veículos saírem às ruas para testes, sem falar nos novos campos de testes dos fabricantes que limitam a ação dos fotógrafos.
Lembra, também, que atualmente a Quatro Rodas publica segredos no site, assunto que atrai grande interesse dos leitores e traz muita audiência. E salientou que existem muitos entusiastas que fazem uso de seus celulares para registrar carros que, porventura, encontrem em testes ou desenvolvimento e que enviam as imagens registradas para a redação, o ghost photographer.
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