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Fotos: Heitor Hui
Foi na década de 70 durante a cobertura de um desafio proposto pela revista Quatro Rodas de viagem rodoviária entre São Bernardo do Campo e Dearbon, as capitais do automóvel do Brasil e dos Estados Unidos.
O fotógrafo, por medo de viajar de avião, retornou de Caracas de ônibus e chegou apenas um mês depois, quando toda a comitiva já havia completado a viagem e chegado a Detroit.
Naquela época, trabalhava na Ford e, na minha luta pela aprovação do programa, venci a primeira etapa, ao receber aprovação do presidente da Ford, na época, Robert Gerrity, e do diretor de Relações Públicas, Agostinho Gaspar. E, nesse mesmo dia, aprendi uma lição importante. O sr. Gerrity me disse que não seria apenas um carro, mas dois. O presidente ponderou que com apenas um carro, se houver um acidente a viagem fracassa. "Com dois, a probabilidade de cumprir o percurso é muito maior", asseverou o presidente.
Como responsável pelo programa recorri a mapas rodoviários disponíveis na época, fiz contatos com o grupo de Relações Públicas de Detroit e estabeleci um roteiro por estradas que cortavam o Sul do Brasil, com passagens pelo Paraguai, Argentina, Chile, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela, no continente sul-americano.
O repórter Renato Modernel e o fotógrafo Heitor Hui foram designados pela Quatro Rodas para cumprir a primeira etapa, entre São Bernardo do Campo e Caracas. Para os jornalistas, foi designado um automóvel Del Rey. O engenheiro José Augusto Barbosa de Souza e o mecânico Wilson Sorbo responsabilizaram-se pela condução de uma picape Pampa, com ferramentas e peças para contornar qualquer eventualidade mecânica.
Com três dias de viagem, surgiu o primeiro problema. Tomei conhecimento de minha falha de planejamento. Apesar de a viagem ter sido iniciada em agosto, praticamente fora do período mais forte do inverno, recebi telefonema dos representantes da Ford, da cidade de Mendoza, na Argentina, que a passagem pela Cordilheira dos Andes, que dá acesso a Santiago do Chile, estava bloqueada pela neve e sem previsão de reabertura.
Além do susto, enfrentei horas de telefonemas para automóveis clubes, revendedores Ford e polícias rodoviárias dos dois países até descobrir que a única passagem possível estava ao Sul, na região de Bariloche e Osorno. Para não ficar parado vários dias, sem qualquer previsão, o grupo ampliou a quilometragem da viagem em cerca de 2.600 quilômetros para esse desvio inesperado.
Além dessa surpresa, os componentes do grupo enfrentaram situações inusitadas, mescladas por cenários maravilhosos com problemas burocráticos. A paisagem congelada em Los Caracoles, a viagem ampliada pelos territórios argentino e chileno, o deserto do Atacama foram desafios emocionantes. Assim como a travessia do Peru em plena atuação dos Senderos Luminosos e, também, o precário comportamento humano enfrentado em algumas alfândegas sul-americanas. Os funcionários invariavelmente encontravam irregularidade na documentação (apesar das autorizações de todos os consulados envolvidos), que resultava em caixinhas beneficentes.
Em Caracas, após o cumprimento da etapa sul-americana, Modernel e Hui foram substituídos pelo editor Emílio Camanzi e pelo fotógrafo Milton Shirata. De Caracas para Miami o grupo seguiu por via aérea porque, por segurança dos viajantes, descartamos a travessia da América Central pelo risco de cruzar países em crise política, especialmente a Nicarágua com o conflito entre o ditador Anastazio Somoza e o líder sandinista Daniel Ortega.
Na despedida das pessoas que seguiriam para Miami e dos que retornariam a São Paulo, ocorreu o momento mais traumático da viagem: o fotógrafo Heitor Hui aceitara a determinação de cobrir a parte sul-americana da viagem porque já havia recusado outras viagens por medo de avião. Praticamente obrigado a aceitar a escala, imaginou que teria coragem de enfrentar apenas o voo de regresso, com duração aproximada de seis horas. Mas, na hora do embarque, nenhum dos componentes do grupo conseguiu convencê-lo a entrar no avião. E o jeito foi Heitor procurar a estação rodoviária de Caracas e tomar o primeiro ônibus para fazer a longa viagem de regresso, em direção inicialmente a Maracaibo e Barranquilla, ainda na Venezuela e, depois, Medellin, na Colômbia, Quito, no Equador; Arequipa e Lima (Peru), Antofagasta e Santiago (Chile), Mendonza (Argentina), e Assunção (Paraguai, até adentrar ao Brasil por Foz do Iguaçu e chegar a São Paulo um mês depois.
De Maiami a Detroit, as amplas rodovias norte-americanos não exigiram sacrifício do grupo brasileiro na segunda fase da viagem que após alguns dias chegou a Toledo, antes da etapa final em Dearborn. Durante reunião na casa de João Tomé, o responsável pela área de Relações Públicas da Ford mundial, nesse mesmo dia, ficou acertado o horário para a chegada no dia seguinte à sede da Ford Motor Company, o Headquarters, como é chamado.
Junto com os executivos norte-americanos estavam o presidente da Ford Brasil, Roberto Gerrity; o diretor de engenharia, Luc de Ferran, o diretor de Relações Públicas, Agostinho Gaspar, e o Carlos Roberto, que representou a área de Imprensa.
Ficou acertado que os dois carros chegariam ao Ford Headquarters às 11 horas, para que os brasileiros fossem efusivamente recebidos por importantes diretores da Ford Motor Company. Mas, os aventureiros brasileiros conseguiram causar uma grande inquietação e desconforto a todo o grupo de executivos e fotógrafos que aguardavam o grande momento.
Para decepção de todos que esperavam pelo final da pioneira viagem, o grupo não apareceu no horário combinado e pela inexistência do telefone celular, não foi possível qualquer contato para saber do paradeiro dos brasileiros, apesar do esforço das pessoas e da tecnologia norte-americana. Com exata uma hora de atraso os dois carros pararam em frente ao saguão de entrada da sede mundial da Ford, completando o percurso de 21.500 quilômetros ao longo de 61 dias de aventura.
Ao ser recebido pelo vice-presidente de operações Automotivas, Lindsey Halsted, Emílio Camanzi, na época editor da revista Quatro Rodas, exclamou orgulhosamente: "pontualidade britânica!".
Por esse atraso, o grupo não teve oportunidade de ser recebido por Henry Ford que tinha um compromisso já agendado, após a chegada do grupo brasileiro.
Se errei no início da viagem por não prever o rigor do inverno teimoso na travessia dos Andes, todos erraram no final por não prever e informar os aventureiros brasileiros que entre a cidade de Toledo em que se hospedaram, antes de atingir Dearborn, existia a diferença de uma hora. Os relógios dos brasileiros não foram atualizados ao horário de Dearborn. Com o entusiasmo pelo êxito da grande aventura, ninguém se lembrou desse pequeno, mas importante detalhe.
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